Onde está a verdadeira paz?
- Jaya Devi
- 9 de jun. de 2017
- 4 min de leitura

Considerando que a família é a célula da sociedade e que o casal são as moléculas dessa célula. Não haverá paz social enquanto não houver paz entre os gêneros. E, não haverá paz entre os gêneros enquanto não houver paz individual. Isso parece claro. Mas, como alcançar essa paz individual?
Considere mera filosofia ou não, eu ouso dizer: quando formos capazes de fazer as pazes com todos os aspectos da humanidade. O que significa, realizar que do mais fudido bandido e assassino ao ser humano mais santo e puro, todos esses aspectos da humanidade estão em mim. Abraçar toda a contradição da mente instável e seletiva.
Para mim, essa guerra só pode ser sanada com a desindentificação com o ego. Então, primeiramente precisamos reconhece o que é o ego. Como podemos nos desindentificar daquilo que nem reconhecemos? Ou pior ainda, daquilo que acreditamos ser? Muito falamos sobre o ego, mas, o quanto realmente o reconhecemos? O ego não é uma entidade, mas, sim uma ação ou um movimento que vai na direção da afirmação do senso de separação e limitação. O ego é uma ação ou um movimento que nos faz vermo-nos como indivíduos separados da eternidade da existência e de tudo aquilo que é considerado “fora”, separado ou diferente, trazendo o senso de limitação e a necessidade de me proteger desse “outro” toda a vez que ele me ameaça ou segurá-lo toda a vez que ele reforça meu senso de “eu”. Como Budha falou, os famosos movimentos da aversão e do apego.
Um aspecto que eu considero fundamental para reconhecermos esse movimento do ego é percebermos que ele não é tão individual como imaginamos, que os meus dramas, medos, angustias, etc. não são tão meus assim. É fundamental reconhecermos que o ego precisa de um arcabouço social para se afirmar e perpetuar. Ou seja, o ego é um movimento que reforça o senso de separação o qual se perpetua nas construções sociais. Aqui é que eu acho que muitas vezes as abordagens psicológicas deslizam, ao não dar tanta importância às raízes históricas e culturais dos condicionamentos de um indivíduo.
O indivíduo, sua história pessoal, suas emoções e pensamentos são, em grande parte, uma construção cultural e histórica. O quanto somos realmente capazes de escolher o que pensamos e como nos sentimos? Com certeza podemos fazer escolhas e influenciar o andamento da nossa mente (pensamento e emoções) sensibilizando nossa consciência e nosso corpo, mas, ao meu ver, a sanação da guerra interior precisa passar pelo reconhecimento das suas causas sociais. Por exemplo, no que tange a relação entre os gêneros, nós vivemos milhares de anos de uma sociedade patriarcal, na qual o casamento é apenas um contrato social, atendido pelos homens e mulheres como ardorosa obrigação. Por séculos a fio, em diversas culturas, as mulheres eram meras mercadorias ou máquinas de reprodução. Nem preciso me alongar aqui para descrever todas as formas de violência e sofrimento daí advindos. O que quero trazer à tona é: quando eu, aqui, acesso uma raiva possante ao me deparar com uma situação na qual eu considero que o meu companheiro está claramente manifestando um comportamento machista, é a voz de milhares de anos de repressão e violência que está se expressando nessa raiva. Tudo bem que essa raiva também é uma resposta violenta e, portanto, condicionada, a esse machismo e que uma hora alguém tem que parar esse jogo, pois, já sabemos que violência só gera mais violência. Mas, o que trago aqui é a importância de reconhecermos que aquilo que pensamos e sentimos não é tão “nosso” assim, ou não é tão pessoal. E para isso é fundamental entendermos as nossa raízes culturais e históricas. Como chegamos aqui onde estamos?
Se por uma lado esse entendimento das causas sociais dos condicionamentos que apresentamos é fundamental, por outro lado, não podemos cair na pegadinha de achar que tudo é uma construção social a qual estamos totalmente atados e que eu não tenho poder nenhum de escolher o que eu penso ou como eu me sinto. Muitas vezes eu me questiono qual o meu poder sobre tudo isso? Eu não tenho uma resposta, mas, me parece que eu tenho sim algum poder de escolher como lidar com esses condicionamentos à medida que me. Para mim, esse poder vem do auto-conhecimento ou do reconhecimento, no âmago profundo do ser, daquilo em nós que não é, nunca foi e nunca será afetado por nenhum desses condicionamentos. Aquilo que sempre existiu e sempre existirá em estabilidade e harmonia, que não muda em nenhuma circunstância de tempo e espaço. Aqui o que eu chamo de auto-conhecimento não depende de uma determinada prática espiritual, de fazermos essa ou aquela terapia ou adotarmos uma religião ou linha espiritual. Tudo isso pode ser válido, mas, muitas vezes, pode também ser a pedra no caminho para aquilo que eu estou chamando aqui de auto-conhecimento que é ganhar intimidade com aquilo em nós que é a própria paz, o próprio amor independente de circunstâncias, independente de eu estar me sentindo bem ou mal, de eu ter ou não problemas para resolver, de eu estar calma ou agitada. Aquilo que é indescritível e ao mesmo tempo aquilo que todos os filósofos, poetas e místicos tentam descrever. Aquilo em nós que é irrevogável e inalienável. Que de tão simples, parece complexo, que de tão perto, parece longe e de onde vem toda satisfação que é permanente e verdadeira.
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