Reflexões e Realizações no Programa Transformativo Intensivo de 6 semanas no Awakened Life Project
- Jaya Devi
- 21 de set. de 2017
- 7 min de leitura

O que está mais fortemente presente dessa experiências é: não importa quanto conhecimento temos, o quanto entendemos sobre espiritualidade e transcendência, não importa quantas experiências místicas ou mundanas já vivemos. Tudo o que importa é o quanto estamos dispostos a ser ninguém, nada saber e nada ter. O quanto estamos dispostos a largar mão de ter que defender a nossa posição, seja ela qual for – inclusive de ser uma pessoa espiritual - e se entregar à totalidade daquilo que já somos e sempre fomos. O quanto estamos dispostos a reconhecer que a separação e a limitação não são reais. Em outras palavras, tudo o que importa é o quanto nós realmente desejamos ser livres.
Me lancei nessa experiência sem muita expectativa. Só havia uma profunda confiança no fluxo da vida que ofereceu muitos indicativos para eu estar aqui. E havia uma confiança nos professores Cynthia e Peter Bampton pelo pouco que vivenciamos com eles e que se mostrou tão transformador e esclarecedor para mim.
Lembro-me chegando aqui há 1 ano para conhecer o projeto servindo-o como voluntária por alguns dias. Eu não sabia nada do que se tratava. Vim assim, por vir mesmo, sem grande entusiasmo ou expectativa, deixando-me ser guiada pelo entusiasmo do Miho que pesquisou sobre o projeto. Lembro-me de ficar um tanto surpreendida ao perceber como as pessoas aqui estavam tão nitidamente comprometidas com a proposta do projeto. Andavam atentas, abertas, silenciosas e ao mesmo tempo questionadoras, com uma abertura incrível para a investigação do que quer que se expusesse, com zelo, como se estivesse mesmo quase todo o tempo a tatear e re-criar uma nova forma de ver a vida, a si mesmas e ao que quer se apresentasse. O que essas pessoas estão entendendo? Eu perguntei a mim mesma com curiosidade. Essa curiosidade me levou adiante. Fizemos o convite para que o Peter e a Cynthia fossem para o Brasil. E, pelo mistério da vida, eles simplesmente aceitaram!
Quando os recebemos no Brasil e participamos do retiro que eles ofereceram lá, pudemos contemplar a profundidade com a qual eles apresentam e, mais do que tudo, abraçam e vivem, ensinamentos tão antigos e tão atuais. Percebi que esse despertar, que pode ser visto como instantâneo e incondicional, no dinamismo criativo que é a vida, não é algo estático e pontual, é muito mais como um espiral dinâmico, cheio de altos e baixos, curvas, ondulações, improbabilidades e incertezas. Que riqueza contemplar esse campo de infinitas possibilidades que é viver e estar em um corpo humano reconhecendo-se consciência em expansão e re-criação.
O Awakened Life Project é um dos poucos projetos que eu conheço que tem a proposta de abraçar integralmente a profundidade dos ensinamentos e tecnologias espirituais do Oriente e, ao mesmo tempo, o melhor do desenvolvimento Ocidental.
Os ensinamentos não-duais, a prática da meditação e self-inquiry estão no fundamento do projeto. Assim como também estão: a compreensão do poder da nossa mente para “criar” a ilusão de que a separação e a limitação são reais e, ao mesmo tempo, para questionar essa ilusão; a força da influência cultural naquilo que manifestamos como condicionamentos; o poder da nossa ação individual para mudar o mundo, abraçando a perspectiva de que, como cultura humana, temos muito o que mudar e aprimorar para manifestarmos em matéria a totalidade da compreensão espiritual daquilo que somos; e, a inclusão da individualidade na espiritualidade. Em outras palavras, abraçar a unicidade que se expressa através de cada indivíduo. Aqui vale citar a perspectiva de que individual é diferente de pessoal. O significado das palavras mesmo dizem: indivíduo vem de indivisível enquanto pessoal vem de persona, ou máscara. Podemos experimentar que somos seres individuais, com expressões e qualidades intrinsecamente únicas, e, ao mesmo tempo, reconhecer que, o que verdadeiramente somos não se limita à pessoa que somos, com uma história, vida e condicionamentos pessoais?
Essa é uma longa discussão filosófica, mas, o fato é que, sem dúvidas, ao longo do desenvolvimento humano, especialmente no Ocidente, fomos experimentando níveis de individualidade cada vez mais delineados, os quais nunca foram considerados nas tradições espirituais do Oriente e nem nas indígenas. Não temos mais como voltar para o estado de unidade previamente experimentado no tempo dessas tradições. Uma espiritualidade que leve em conta a realidade que vivemos, tem que abraçar o paradoxo do reconhecimento de que somos um em espírito, mas, cada vez mais complexos em expressão individual. E que, essa complexidade é dádiva da expansão e expressão do Ser. Depois desse intensivo aqui no ALP, pude vislumbrar o que significa uma perspectiva integral na qual esse paradoxo é abraçado.
Para mim uma das grandes riquezas desse projeto é a contenlação de uma abordagem que é, ao mesmo tempo, direta e progressiva. A aborgadem direta é aquela que nos leva à realização que nós já somos, e sempre fomos, seres livres. Quanto mais direta e profunda é essa realização, mais podemos descansar nessa liberdade do que já somos e, entendemos que tudo está perfeito como é, e, portanto, em essência, não há nada que precisa ser mudado. A abordagem progressiva, por sua vez, nos leva ao reconhecimento de todas as camadas de condicionamentos que nos fazem experimentar e “criar” a não-liberdade. Sob esse prisma, enxergamos que muitas coisas precisam ser mudadas para experimentarmos verdadeiramente essa liberdade que somos. Ao longo da minha jornada de busca e também trabalhando como terapeuta, fui percebendo que, o perigo que reside na abordagem direta é: não sendo uma realização devidamente profunda e enraizada, ela pode levar o indivíduo à um comodismo e uma negação da ação motivada, especialmente, para mudar algo. Por sua vez, o perigo da abordagem progressiva é que, à medida que a pessoa escarafuncha o seu passado e os condicionamentos que ela manisfesta, ela pode ficar fascinada com a própria história, como se o ego fosse algo real e individual, podendo se tornar um interminável processo de aperfeiçoamento do “ego individual”.

Foi deveras fascinante o quanto, ao longo do programa transformativo intensivo, com o apoio e experiência dos professores Peter e Cynthia e com a disposição de cada participante do grupo, pudemos reconhecer cada vez mais que o ego não é algo nem real, nem tão pouco individual. O ego é um movimento que vai e vem. Por tantas vezes, as ações e falas de cada um de nós foram devidamente apontadas como o surgimento de um movimento do ego. Com toda a dedicação e cuidado, investigávamos juntos para entender mais sobre como esse movimento se apresentada como padrões naquela pessoa. Porém, em nenhum momento entramos em uma análise interminável sobre essa pessoa, fazendo-a se sentir mais ou menos especial. O foco era sempre enfatizar o reconhecimento de como esse padrão se manifesta e que a raiz dele está na necessidade do ego de se defender ou tomar uma posição para afirmar que a separação e a limitação são reais. E isso não é particular de ninguém, ou seja não é nada pessoal. A verdadeira liberdade está em reconhecermos o ego pelo o que ele é, ao mesmo tempo em que, ao invés de ficarmos fascinados com ele, nos tornamos mais interessados naquilo que está consciente do ego, ou seja, na Presença/Consciência/Ser que somos que não é afetado por esse padrão. A verdadeira liberdade está em reconhecer que essa persona que estamos habituados a chamar de “eu”, com toda a sua história, conquistas e fracassos, simplesmente não existe, ou só existe enquanto uma emanação temporária dentro da eterna e infinita Consciência/Ser/Presença que somos.
Um dos focos principais do programa intensivo é a transcendência do ego. O primeiro passo para isso é termos uma clara compreensão do que é o ego. A teoria é relativamente simples: o ego nada mais é do que um movimento ou um hábito que está constantemente afirmando que a separação e a limitação são reais. Porém, não basta entendermos isso teoricamente, para transcender o ego, precisamos reconhecer, na prática, como esse hábito/movimento se impõem em nossa forma de pensar e agir. Precisamos ser capazes que reconhecer como ele se manifesta em pensamento, comunicação e ação individualmente. Para mim, um dos aspectos mais fascinante desse programa foi o fato de que cada interação e cada ação podiam se tornar um laboratório para essa investigação e, o mais incrível, sem nos tornarmos paranoicos sobre cada pequena coisa que falávamos ou fazíamos (por mais que as vezes a tendência puxava para isso), pois o foco estava em reconhecer aquilo que está além dos movimentos do ego.
Aqui quero expressar a minha profunda admiração pela destreza e habilidade dos proessores Cynthia e Peter em conduzirem esse processo com tamanha firmeza e sensibilidade. Você que está lendo esse relato, tente imaginar a tamanha delicadeza e força demandadas por uma proposta de se passar 6 semanas em comunidade imersos na transcendência o ego. Imaginou? Multiplique por pelo menos mais 5x. Que esse relato possa expressar um milésimo da minha gratidão por esses professores. Foi muito inspirador perceber como eles se colocam em uma postura firme e bem estabelecida de professores para que pudessem transmitir o nível mais profundo de entendimento em que estão, e que, ainda assim, havia uma atitude de abertura e de aprendizes para receberem feedbacks e aprenderem com o processo que apresentam. O fato de eles não se colocarem como gurus ou seres que já estão em pleno estado de graça e perfeição faz toda a diferença, pois, afinal, quem são aqueles que podemos afirmar com certeza estarem nesse estado permanentemente? Assumir que erramos e que temos muito o que aprender enquanto, ao mesmo tempo, nos levantamos na afirmação digna e firme da sabedoria e compreensão que já temos é uma arte. Sentimos que eles se colocam no fogo do próprio processo de transformação e transcendência do ego que eles propõem. Sentimos que eles estão junto conosco nessa jornada!
Diferentemente da abordagem tradicional guru-discípulo, na qual o guru é visto como uma encarnação de Deus/Divino/Plenitude/Totalidade, etc., colocando-se todo o foco na relação do discípulo com o seu guru, a abordagem apresentada aqui inclui a Sanga (comunidade espiritual) como um guru. Ou seja, a relação e interação que se estabelece entre os membros da comunidade são vistas como campos ricos de aprendizado e transformação.
Soma-se a toda essa profunda abordagem espiritual, um ambiente no qual estamos rodeados pela natureza, árvores, rio e um jardim e horta carinhosamente cuidados pelos moradores e voluntários do projeto. Soma-se a isso uma alimentação vegana, rica e saborosa! E por fim, uma rotina consistente de sadhana (prática espiritual) que incluía 2 horas de meditação matinal, 1 prática corporal (Yoga, Qi Gong e Movimento Espontâneo), 3 horas de sessão com Cynthia e às vezes também com Peter, e uma prática devocional à noite. Esse foi o contexto que possibilitou essa rica e transformativa experiência.
Gratidão é pouco para expressar o que sinto nesse momento! Confiança, fé, entrega à Vida, à abundância, sabedoria e inteligência da Vida, do Mistério, do Ser, da Consciência, da Existência!
Que eu possa sempre estar à serviço da revelação e expansão desse Grande Mistério!

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